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Recusa de depilar uma transexual é crime de racismo?

  • Foto do escritor: Francisco Ilídio Ferreira Rocha
    Francisco Ilídio Ferreira Rocha
  • 29 de jul. de 2019
  • 3 min de leitura

1. O CASO.


A mulher trans chamada Jessica Yaniv, em processo de transição para o gênero feminino e ainda mantendo a genitália masculina, está no centro de uma polêmica no Canadá. Depois de marcar horários para a depilação das partes íntimas, Jessica Yaniv informa que o serviço lhe foi recusado quando as esteticistas descobriram que ela mantinha os órgãos genitais masculinos.


Jessica Yaniv sustenta que as esteticistas recusaram o atendimento por LGBTfobia, dizendo que só atendiam mulheres. A proprietária brasileira do salão de beleza argumenta que o marido não se sentia confortável com a realização do procedimento e que não tem experiência em depilação de genitais masculinos (FONTE).



Jessica Yaniv


2. PERGUNTA.


Tal conduta, nos termos do Direito Pátrio, poderia ser enquadrada criminalmente na Lei n. 7.716/89 (Lei de Racismo)?


3. RESPOSTA.


O art. 1º da Lei n. 7.170/89 (Lei de Racismo) pontifica que "serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". A princípio, considerando que não existe a expressa previsão para a LGBTfobia no rol estabelecido na norma penal incriminadora, a resposta seria NEGATIVA, uma vez que, pelo Princípio da Legalidade, não se admitiria analogia in malam partem em matéria de Direito Penal, restando a conduta atípica.


Entretanto, importantíssimo salientar que o STF, em sede da ADO 26/DF, firmou a tese de que, considerando a omissão legislativa em cumprir mandamento incriminador da LGBTfobia constante na Constituição Federal, as condutas homofóbicas e transfóbicas devem ser consideradas como incriminadas nos termos da Lei n. 7.716/1989. A decisão do STF é a seguinte:


"Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”)" (FONTE).


Apesar de severas críticas ao entendimento do STF, por relativizar o princípio que não existirá crime sem prévia definição legal (princípio da legalidade), a partir desta decisão seria possível o enquadramento da conduta da esteticista nos termos do art. 10 da Lei de Racismo.


Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.


O disposto no art. 10 da Lei de Racismo descreve como criminosa a conduta de recusar tratamento estético em empreendimentos comerciais com tais finalidades (rol exemplificativo). Note que para a afirmação do crime é necessário demonstrar que a recusa de atendimento teria sido motivada por preconceito ou discriminação em relação à identidade de gênero da cliente. Assim, considerando a necessidade de demonstrar a especial motivação da recusa e observada a existência de duas versões (uma da cliente e outra da prestadora de serviços estéticos), vislumbramos duas respostas possíveis segundo o novo entendimento do STF:


(a) Se é verdade que a cliente não foi atendida por preconceito, aversão ou ódio de transexuais, tecnicamente estaria afirmada a tipificação da conduta nos termos do art. 10 da Lei n. 7.716/89. Aliás, como preconceito poder ser compreendido o "desconforto" da prestadora de serviço em atender a cliente por sua identidade de gênero.


(b) Se é verdade que a esteticista somente se recusou a realizar o procedimento porque não tem experiência com depilação de genitália masculina, neste caso, a conduta seria atípica, vez que o prestador de serviço não pode ser forçado à prática de um procedimento que não tem perícia para realizá-lo de forma adequada. Ademais, neste cenário, não sendo a recusa motivada por transfobia, não existiria o delito em comento.


Em suma: considerando o novo entendimento do STF que permite a equiparação da transfobia ao racismo, sendo demonstrado que a recusa na prestação do serviço se deve a preconceito ou discriminação contra a identidade de gênero, será possível o enquadramento da conduta nos termos da Lei de Racismo.


PS1: Interessante notar que considerando o princípio da extraterritorialidade, a esteticista, por ser brasileira (art. 7º, II, 'b', CP), poderia ser julgada no Brasil, desde cumpridas as condições estipuladas no art. 7º, §2º, CP.


PS2: Nos termos da ADO 26/DF, considera-se a irretroatividade do enquadramento típico, passando a ser aplicável, tão somente, desde a data da publicação da decisão.

 
 
 

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