Vítimas capturam o estelionatário e forçam a devolver o dinheiro. E agora?
- Francisco Ilídio Ferreira Rocha
- 1 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de set. de 2019
1. O CASO
Acusado pela Polícia Civil de liderar um dos maios esquemas de estelionato do Distrito Federal, Marlon Gonzalez Motta estaria provocando prejuízos milionários entre os investidores do mercado financeiro. Os estelionatos teriam sido cometidas por Marlon em esquemas fraudulentos de criptomoedas que já ultrapassariam mais de 3 milhões de reais em prejuízos para as vítimas. Apesar da acusação de fraudar seus clientes, Marlon seguia levando uma vida de ostentação. "Investigadores da Divisão de Repressão a Sequestros (DRS) da Polícia Civil indiciaram os dois empresários, que renderam Gonzalez com pistolas, então o levaram para um cativeiro e o obrigaram a transferir R$ 152 mil em bitcoins para carteiras criptografadas. Os autores do rapto são credores do golpista e haviam sido enganados por ele em uma transação envolvendo moedas virtuais". (FONTE).

2. PERGUNTA.
Deixando de lado o porte ilegal de armas, sendo corretas e precisas os fatos apresentados pela notícia, qual seria o adequado enquadramento daqueles que capturaram o suposto estelionatário?
3. RESPOSTA.
Convém destacar que o enquadramento da conduta dos dois captores depende, fundamentalmente, de uma importante variável: a natureza da vantagem econômica pretendida. Se o montante obtido constitui-se em vantagem indevida, então dar-se-á a enquadramento pelo crime de extorsão. Se a vantagem for devida, neste caso, a tipificação do delito se dará nos termos do art. 345 do Código Penal.
3.1. SE A VANTAGEM É INDEVIDA.
Se a vantagem for indevida, os dois indiciados teriam utilizado de violência física e ameaças apoiadas no uso de armas de fogo para convencer a vítima a garantir-lhe a transferência de R$ 152 mil em bitcoins.
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Note-se que não se trataria do crime de roubo, pois não os indiciados não praticam qualquer ato de subtração, mas sim, com acerto, obrigam a vítima a realizar a transferência de bitcoins que constituir-se-ia em indevida vantagem econômica, isso mediante violência e grave ameaça. Como a vítima teria sido capturada e mantida em cativeiro, seria o caso de reconhecimento do crime de extorsão em sua modalidade qualificada prevista no art. 158, §3º, do Código Penal:
§3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2ºe 3º, respectivamente.
Dependendo da gravidade das lesões da vítima: (a) o crime de extorsão qualificado por privação da liberdade da vítima terá pena de reclusão de 6 (seis) a 12 (doze) anos e multa, se as lesões sofridas pela vítima são leves; (b) o crime de extorsão qualificado por privação de liberdade da vítima terá pena de reclusão de 16 (dezesseis) à 24 (vinte e quatro) anos e multa, se as lesões sofridas pela vítima são consideradas graves ou gravíssimas nos termos do art. 129, §§1º e 2º, do Código Penal.
3.2. SE A VANTAGEM É DEVIDA.
Se a vantagem é devida então não é possível distinguir a tipificação do crime de extorsão. A utilização de violência e ameaça, neste cenário, estaria direcionada à satisfação de interesse considerado legítimo, ainda que por meios reprováveis, considerando o monopólio estatal da jurisdição e da violência. Sendo verdadeira a hipótese de que os dois captores eram vítimas de um esquema fraudulento liderado pela pessoa capturada e que os valores correspondem ao prejuízo injustamente realizado contra eles, então, nessa situação, a conduta criminosa deveria ser enquadrada como exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP).
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Note que, neste cenário, os captores, mesmo agindo para satisfazer pretensão que julgam legítima, não estão autorizados a atuar neste sentido, vez que não é possível visualizar nenhuma causa justificante para esta atuação violenta. Importante atentar que, conforme dispõe o preceito sancionatório, além da pena de detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, ser-lhe-ão aplicadas cumulativamente as penas correspondentes à violência. Então, a depender da gravidade das lesões corporais sofridas pela vítima, serão ainda aplicáveis as penas correspondentes ao crime de lesão corporal leve (art. 129, caput, CP), grave (art. 129, §1º, CP) ou gravíssima (art. 129, §2º, CP).
EM SUMA: Sem considerar as questões relacionados ao porte ilegal de armas de fogo, os dois sujeitos ativos terão suas condutas enquadradas como: (a) extorsão qualificada pela privação de liberdade da vítima (art. 158, §3º, CP), se a vantagem pretendida pelos criminosos era indevida; ou (b) exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP), se a vantagem pretendida era legítima, além da pena correspondente às lesões corporais.
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