Youtuber praticou crime contra a segurança nacional?
- Francisco Ilídio Ferreira Rocha
- 9 de ago. de 2019
- 4 min de leitura
1. CASO.
Um youtuber produziu vídeo no qual lança inúmeras ofensas de baixo calão contra o Presidente da República, finalizando com a seguinte incitação: “não tem mais condição de aceitar um b… como Bolsonaro no poder. Ele tem que ser assassinado, ele e a família”. O vídeo segue abaixo:
2. PERGUNTA.
Da análise do vídeo é possível reconhecer a prática de algum delito?
3. RESPOSTA.
Mesmo reconhecendo a amplíssima liberdade de expressão garantida constitucionalmente (art. 5º, IV e IX, CF), existem determinados limites objetivos ao discurso. Não é lícito proferir ofensas aviltantes, uma vez que a honra pessoal é também uma posição jusfundamental (art. 5º, X, CF). Ademais, o discurso não pode ser utilizado para conclamar outros à prática de atos de violência e disrupção da ordem constitucional.
Sendo assim, há de se analisar se o vídeo superou os limites da liberdade de expressão e adentrou no âmbito das condutas penalmente reprováveis. Mesmo evidente que várias outras pessoas foram citadas em termos indignificantes, resumiremos nossa análise aos fatos relacionados com o Presidente da República.
Primeiramente, ainda que o vídeo contenha críticas que podem ser consideradas pertinentes, resta evidente que o youtuber extrapolou o direito de liberdade de expressão ao ir além da crítica contundente e proferir ofensas indecorosas que podem ser observadas no curso de toda filmagem.
Em relação aos crimes contra honra, convém distinguir calúnia, difamação e injúria. O crime de calúnia trata da falsa imputação de fatos que, por terem natureza criminosa, remetem o enquadramento da conduta nos termos do art. 138 do Código Penal. O crime de difamação, por outro lado, também trata da imputação de fatos que, apesar de não serem criminosos, são ofensivos a vítima (art. 139, CP). A injúria (art. 140, CP), por outro lado, resume-se na ofensa da dignidade ou decoro da vítima, sem utilizar da menção à fatos específicos. Sendo que o discurso ofensivo usa, essencialmente, de termos indecorosos e indignificantes, sem descrição expressa de fatos, trata-se da prática do crime de injúria (art. 140, CP).
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Uma vez que a injúria é lançada contra o Presidente da República (entre outras vítimas), aplica-se a causa de aumento de pena de 1/3, nos termos do art. 141, I do Código Penal.
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
[...].
Importante ainda notar que, no caso de injúria contra o Presidente da República, trata-se de crime de ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, conforme disciplinado no art. 145, parágrafo único.
Art. 145 - [...].
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código.
A parte mais preocupante do vídeo, entretanto, não é o extenso repertório de ofensas escatológicas lançadas contra vários indivíduos. No trecho final do vídeo, o youtuber faz o seguinte discurso: “não tem mais condição de aceitar um b… como Bolsonaro no poder. Ele tem que ser assassinado, ele e a família”.
Partindo da premissa que tal conclamação teria sido proferida com seriedade, não existe qualquer dúvida que trata-se de conduta penalmente reprovável. Neste caso peculiar, apresenta-se uma situação de conflito aparente de normas entre o art. 286 do Código Penal e o art. 23, IV da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83). Vejamos as descrições típicas:
Código Penal.
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
Lei de Segurança Nacional.
Art. 23 - Incitar:
[...]
IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Note-se que matar o Presidente da República é crime especialmente previsto no art. 29 da Lei n. 7.170/83. Assim, considerando que ambos delitos versam sobre hipóteses de incitação ao crime, devemos perceber que a norma incriminadora do art. 286 do Código Penal é forma geral e aquela constante no art. 23 da Lei n. 7.170/83 é especial, fazendo específica menção a incitação de crimes que atentem contra a Segurança Nacional, que é o caso do homicídio do Presidente. Portanto, por força do princípio da especialidade (lei especial prevalece sobre lei genérica), trata-se a conduta de crime previsto no art. 23, IV da Lei de Segurança Nacional. Tal delito é crime de ação penal pública incondicionada, de competência da Justiça Militar (art. 30, Lei n. 7.1.70/83), cabendo a sua apuração através de inquérito levado a cabo pela Polícia Federal (art. 31).
EM SUMA: Considerando somente os fatos relativos ao Presidente da República, é possível distinguir, a princípio e salvo a superveniência de novos elementos pertinentes ao caso, a prática do delito de injúria majorada (art. 140 c/c art. 141, I do Código Penal) e incitação de crime contra a Segurança Nacional (art. 23, IV, da Lei n. 7.170/83).
PS: Importante salientar que alguns doutrinadores sustentam que a Lei de Segurança Nacional não teria sido recepcionada pela Constituição Federal. Orientando-se por este entendimento, então, a conduta criminosa passaria a ser enquadrada pelo art. 286 do Código Penal.
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