Criança castigada por mãe e padrasto morre de fome: Tortura.
- Francisco Ilídio Ferreira Rocha
- 28 de out. de 2019
- 3 min de leitura

1. O CASO.
Na quinta-feira (24 de outubro de 2019), uma menina de 11 anos faleceu por desnutrição proteica calórica na cidade de Ubatuba (SP). A investigação policial descobriu que a garota era mantida e jejum absoluto e obrigada a uma rotina exaustiva de exercícios (abdominais e flexões) pelo padrasto e pela mãe. Essa prática teria sido realizada com o propósito de castigá-la por supostas mentiras contadas pela garota. A rotina de castigos está documentada em diário que era mantido pela criança que chegou a pedir por alimentação, mas foi negada pelos responsáveis legais. A punição durou dois dias e culminou com a morte da criança. (FONTE).
2. A PERGUNTA.
Por qual delito deverão responder os responsáveis legais?
3. A RESPOSTA.
A conduta se amolda perfeitamente à descrição típica do delito de tortura (art. 1º, II da Lei n. 9.455/1997, que assim dispõe:
Art. 1º Constitui crime de tortura:
[...]
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Note-se que o delito de tortura-castigo previsto no art. 1º, II da Lei n. 9.455/1997 é crime próprio, no que demanda que os torturadores sejam pessoas investidas em posição de guarda, poder ou autoridade sobre a vítima, o que é verificado neste caso, vez que os acusados eram os responsáveis legais pela criança. Trata-se de crime de lesão, no que a conduta é pratica com o escopo de causar intenso sofrimento físico ou mental, fato também observado pela submissão a uma situação extrema de fome. Por fim, importa no reconhecimento de dolo específico, no que o sofrimento intenso deve ser imposto como forma de aplicar castigo pessoal. Tal fato é, inclusive, reconhecido pelos acusados que dizem que o jejum foi imposto como punição por supostas mentiras contadas pela criança.
É importante destacar que o crime de tortura prevalecerá sobre o delito de maus-tratos previsto no art. 136 do Código Penal (Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa).
A distinção opera-se por dois elementos essenciais: (a) o primeiro é o fato de que no crime de maus-tratos, tem-se um crime de perigo concreto, no que a conduta que abusa dos meios de disciplina acaba por redundar numa situação de perigo à vida ou à saúde da vítima, enquanto que na tortura-castigo (crime de lesão) pretende-se que o castigo seja realizado através da causação de intenso sofrimento físico ou mental; (b) o segundo elemento é a intensidade do sofrimento, uma vez que a tortura exige que o sofrimento seja qualificado como peculiarmente intenso.
Neste sentido:
"A distinção entre os crimes de maus tratos e de tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no elemento volitivo do agente; assim se abusa do direito de corrigir para fins de educação, ensino, tratamento e custódia, haverá maus tratos, ao passo que caracterizará tortura quando a conduta é praticada como forma de castigo pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por ódio ou qualquer outro sentimento vil. Carateriza tortura a conduta do agente que, tendo criança sob sua guarda, a pretexto de corrigi-la, submete-a de forma contínua e reiterada, a maus tratos físicos e morais, causando-lhe intenso e angustiante sofrimento físico e mental" (Ap. Crim. n. 98.014413-2, de São José do Cedro, rel. Des. Nilton Macedo Machado).
Portanto, o crime de maus-tratos pressupõe dolo de perigo na aplicação de castigo substancialmente menos gravoso. O crime de tortura pressupõe dolo de lesão, ou seja que o castigo seja realizado com o propósito de causar muita dor e a causação deste sofrimento físico ou mental seja deveras intenso. Assim, presentes as condições típicas do crime de tortura-castigo, esse prevalecerá sobre o crime de maus-tratos em razão do princípio da especialidade.
Importante destacar que, uma vez que da tortura decorreu o resultado morte, tem-se hipótese de crime qualificado pelo resultado, conforme determina o art. 1º, §3º, da Lei n. 9.455/1997.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Por fim, é importante a anotação de que o crime de tortura é assemelhado ao hediondo conforme dispõe o art. 2º, da Lei n. 8.072/90.
RESPOSTA: Se os fatos descritos foram narrados com precisão pela notícia do meio jornalístico e ressalva a superveniência de outros elementos que apareçam no curso da investigação, a conduta descrita amolda-se ao crime de tortura-castigo qualificado pelo resultado morte (art. 1º, II e §3º, da Lei n. 9.455/97).
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