Janot entrou armado no STF com a intenção de matar Gilmar Mendes. E agora?
- Francisco Ilídio Ferreira Rocha
- 28 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de set. de 2019

1. O CASO
Em recente entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (26 de setembro de 2019), o ex-procurador-geral da República, afirmou que "chegou a ir armado para uma sessão do STF com o propósito de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes. Janot afirma que "foi logo depois que eu [Janot] apresentei a sessão (...) de suspeição dele no caso Eike. Aí ele inventou uma história que minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... e aí eu saí do sério". O ex´-procurador-geral da República afirma que foi ao STF armado e que teria encontrado Gilmar Mendes, que estava sozinho na sala de café. "'Mas foi a mão de Deus, Foi a mão de Deus', repetiu o ex-procurador ao justificar porque não concretizou a intenção. 'Cheguei a entrar no Supremo (com essa intenção)', relatou. 'Ele estava na sala, na entrada da sala de sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma 'mão' mesmo".
2. A PERGUNTA.
É possível a responsabilização penal de Rodrigo Janot pelos atos praticados conforme o narrado na entrevista?
3. A RESPOSTA.
A conduta de Janot, acaso tenha acontecido exatamente como o narrado na entrevista, enquadra-se na hipótese de cogitação e, quando muito, da realização de meros atos preparatórios.
Mesmo considerando verdadeira a intenção homicida de Janot, ninguém pode ser punido por conduta criminosa se essa não chegou, ao menos, a ser tentada.
Art. 14 - Diz-se o crime:
Crime consumado
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Considerando a prática de crimes dolosos, pode-se, sinteticamente, dividir o iter criminis (o caminho do crime) em três fases essenciais: (a) a fase interna que compreende o aspecto volitivo e cognitivo; (b) a fase preparatória, que compreende a realização das condições necessárias para a prática do crime conforme o plano do agente, (c) a fase executória, que constitui-se na realização do delito conforme a descrição típica constante em lei; (d) consumação e; (e) exaurimento.
A existência de pensamentos criminosos ou a simples vontade de praticar crimes não é considerado relevante penal, na medida que o princípio da exterioridade da ação demanda que os delitos sejam ações socialmente relevantes e exteriormente perceptíveis, enquanto capazes de vulnerar bens jurídicos penalmente tutelados. Assim, por simplesmente desejar matar alguém, não existindo qualquer exteriorização desta vontade, não é possível distinguir a relevância jurídica do mero pensamento.
Poder-se-ia, entretanto, considerar que Janot, ao seguir armado para o STF com o propósito de fulminar a tiros Gilmar Mendes, estaria praticando atos exteriores. Nesta situação, ainda que assim entendidos, mesmo assim seria impossível identificar qualquer relevância da conduta, pois não existiria mais do que a prática de meros atos preparatórios.
Note-se que os atos preparatórios constituem-se em ações necessárias à realização da conduta criminosa conforme o plano do agente, porém, não se perfazem em atos executórios, conforme a descrição típica do delito.
Aproximar-se da vítima, armado e com a intenção de matá-la, é um ato preparatório para o crime de homicídio; porém, tal conduta, não integra o conjunto de atos executórios, uma vez que não se enquadra na descrição típica do crime de homicídio. Em outras palavras: aproximar-se da vítima é necessário para matá-la (ato preparatório), mas para a realização do homicídio é indispensável que o agente, efetivamente, dispare a arma contra a vítima (ato executório).
Importante notar que, nalguns casos, os atos preparatórios poderão ser punidos. Isso ocorre quando, não sendo realizada a execução do crime, os atos preparatórios por si mesmos constituem-se em crimes autônomos. Por exemplo: o ladrão que invade uma residência como ato preparatório para um furto, pratica o crime de violação de domicílio. Porém, essa hipótese não é vislumbrada no caso em pauta, pois Janot, em razão de sua função, tinha porte de arma.
E se Janot efetivamente dispara-se contra Gilmar Mendes? Neste caso, seria possível considerar o crime de homicídio consumado ou tentado, conforme verificada ou não morte da vítima. Ainda nesta situação hipotética de prática de atos executórios, poderia ser o caso de considerar um crime contra a Segurança Nacional, nos termos da Lei n. 7.170/83? Não, pois o homicídio somente passa a ser considerado crime contra a segurança nacional se é praticado contra o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, e Gilmar Mendes, à época, não era Presidente da Excelsa Corte.
Por fim, o que Janot disse na entrevista pode ser considerado como crime de ameaça? Da forma que foi apresentado o evento, não. Trata-se de mera narrativa ou desabafo. Para verificar-se uma ameaça é necessário distinguir o propósito inequívoco de intimidação, prometendo-lhe, com seriedade, a ocorrência de um mal grave. Esses elementos, em especial o caráter futuro do mal, não são perceptíveis na narrativa de Janot por ocasião da entrevista.
EM SUMA: Considerando que os atos narrados por Janot não constituem-se em atos executórios e que a narrativa não perfaz-se em ameaça, não é possível distinguir o enquadramento típico de tais condutas em nenhuma norma incriminadora.
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