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Médica teria realizado enganoso anúncio de imunização contra o Covid-19. E agora?

  • Foto do escritor: Francisco Ilídio Ferreira Rocha
    Francisco Ilídio Ferreira Rocha
  • 17 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

1. O CASO.





Uma médica e nutróloga teria usado o instagram para fazer o anúncio de um "soro imunizante" - vendido por ela em seu consultório - que teria o potencial de deixar os consumidores imunes aos efeitos do coronavírus (Covid-19). O produto propagandeado seria um coquetel de vitaminas e substâncias oxidantes. A referida médica teria afirmado nas suas redes sociais a seguinte declaração: "Gente, essa turma minha de gestante está uma mais maravilhosa que a outra. Todo mundo tomando soro para imunidade, né? ficar imune do corona". Em seguida, teria afirmado que por apelo pessoal, ofereceria o "soro imunizante" à população geral (FONTE). De acordo com a defesa da médica, tudo não passaria de uma interpretação equivocada. Segundo o advogado: "nós sabemos que o mundo inteiro está procurando uma prevenção para o coronavírus. Eus repito que o objetivo dela foi único e exclusivamente o de informar sobre a necessidade de manter o sistema imunológico fortalecido".


Ressalvando que a notícia apresenta um relato sumário e parcial do ocorrido e que uma análise rigorosa só pode emergir após o exame criterioso das provas que emergem num eventual processo penal, podemos nos propor uma exercício jurídico. Considerando somente a notícia veiculada e considerando os fatos como verdadeiros, qual seria o tratamento penal para o caso tal qual apresentado?


2. ANÁLISE JURÍDICO-PENAL.


Levando em consideração as informações noticiadas, o fato parece remeter a uma propaganda que pretende a venda de "soro imunizante". Tal conduta poderia ser analisada a partir de duas normas incriminadoras: (a) o charlatanismo (art. 283, CP); e (b) o de propaganda enganosa (art. 66, CDC).


O crime de charlatanismo está previsto no Código Penal em seu art. 283, nos seguintes termos:


Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.


O charlatanismo trata-se de crime contra a Saúde Pública, no que explora ardilosamente a população, oferecendo-lhe a cura para uma determinada condição patológica por um meio secreto (que ninguém conhece senão o anunciante) ou infalível (com eficácia plena). O crime se concretiza pelo ato de inculcar (manifestar reiteradamente) ou anunciar (divulgar, dar publicidade) a cura para um número indeterminado de pessoas. O entendimento majoritário na doutrina sustenta que é necessário que o charlatão tenha conhecimento de que o meio de cura anunciado é inadequado ou ineficaz.


No que a médica teria anunciado por meio do instagram: "Gente, essa turma minha de gestante está uma mais maravilhosa que a outra. Todo mundo tomando soro para imunidade, né? ficar imune do corona", dá-se a entender que o "soro imunizante" teria eficácia plena, sendo infalível para evitar o contágio do Covid-19.


Uma vez que existe um acordo da comunidade científica sobre a inexistência de uma terapia ou vacina para evitar o contágio do Covid-19, pode-se concluir que anúncios de um "soro imunizante" são enganosos. Resta, entretanto, esclarecer se a médica - que supõe-se ter o conhecimento perito e responsabilidade para informar adequadamente a população - atuou de forma dolosa ou culposa.


O crime de charlatanismo somente admite a forma dolosa. Anote-se que a doutrina dominante vai no sentido de que demanda-se, ainda, a especial finalidade de fraudar a população, oferecendo-se algo que sabidamente não cura ou, ainda, se cura não é infalível.


Se atuou dolosamente, o enquadramento jurídico-penal de seu comportamento amoldar-se-ia ao delito de charlatanismo. Por outro lado, com um tanto de boa vontade, pode-se considerar que a médica teria atuado de forma descuida e negligente. É uma narrativa possível que ela teria simplesmente exagerado as propriedades de seu produto, descumprindo seu dever de informar adequadamente a população e, por conseguinte, fazendo propaganda enganosa.


O crime de propaganda enganosa está previsto no art. 66 do Código de Defesa do Consumidor:


Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º Se o crime é culposo;

Pena Detenção de um a seis meses ou multa.


Por propaganda enganosa compreende-se: "qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços" (art. 37, §1º, CDC). Basta que, portanto, que o produto seja anunciado de tal forma que possa induzir o consumidor a erro.


A apresentação do produto como "soro imunizante" e a sugestão de que seria hábil para prevenir o contágio do Covid-19 é mais do que capaz para induzir o consumido ao erro de supor tratar-se de um tratamento eficaz ou vacina.


Dito isso, mesmo que a propaganda tenha sido realizada culposamente, isso não isentaria a médica pelos atos que ela teria praticado, pois, note-se o delito admite tanto a modalidade dolosa quanto culposa.


3. RESPOSTA.


Considerando como verdadeiros e precisos os fatos narrados na reportagem, acaso sendo provados em juízo e observando o devido processo legal, podemos enunciar as seguintes proposições:

(a) Ficando demonstrado o dolo da médica, sua atuação poderia ser enquadrada como charlatanismo (art. 283, CP).

(b) Ficando demonstrado a atuação imprudente (culposa) da médica, sua atuação poderia ser enquadrada como propaganda enganosa culposa (art. 66, §2º, CDC).


Neste presente caso, cumpre salientar que, além da responsabilidade penal, nada obsta a apuração da responsabilidade administrativa a ser verificada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina).

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