MUDANÇAS NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL PELA LEI ANTICRIME
- Francisco Ilídio Ferreira Rocha
- 11 de fev. de 2020
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Vejamos quais as alterações mais significativas na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) com o advento da Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2012).
1. IDENTIFICAÇÃO DE PERFIL GENÉTICO.
Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense.
§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
§3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa.
§4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena.
§ 5º (VETADO).
§ 6º (VETADO).
§ 7º (VETADO).
§8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
A identificação genética dos condenados por crime doloso realizado com violência ou grave ameaça para catalogação no Banco Nacional de Perfil genético já estava previsto na Lei de Execução Penal desde 2012. A Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), estabelece a necessidade de regulamentação para a proteção de dados. Também estabelece que aquele cadastrado no Banco de Perfil Genético tem o direito de conhecer e acessar os dados pessoais arquivados, bem como, quando utilizados para fins de persecução penal, de conhecer toda cadeia de custódia das provas (desde a coleta dos objetos até a eventual conclusão da perícia) para fins de exercício efetivo do contraditório. Tal medida é importante na medida que, realizada com desleixo ou negligência, pode ocorrer contaminação dos objetos analisados custodiados. A obrigatoriedade de cadastro do Banco Nacional, como fica expresso, não só alcançará todos os novos condenados que ingressam nos estabelecimentos penitenciários, mas também obrigam os demais, já internados, a submeterem-se a tal identificação. Outra novidade importante é que a recusa de se submeter ao procedimento de identificação genética passa a constituir-se falta grave. Ou seja, o preso não pode ser coagido, por meio de força ou injusta ameaça, a realização da identificação genética, porém, decidindo por não cooperar, poderá ser sancionado administrativamente por falta grave, sofrendo todas as consequências dela decorrentes (p.e., servindo de obstáculo para a progressão de regime).
2. AMPLIAÇÃO DO ROL DE FALTAS GRAVES.
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II - fugir;
III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV - provocar acidente de trabalho;
V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
VIII - recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.
O rol taxativo de faltas graves na execução da pena privativa de liberdade (arts. 50 e 52, caput, da Lei n. 7.210/84 - LEP) foi ampliado com a inserção da hipótese prevista no novo inciso VIII. Trata-se de falta grave a recusa de submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. Lembrando que a falta grave permite que o preso: (a) seja submetido a sanções disciplinares (art. 53, LEP); (b) tenha revogado o benefício do trabalho externo (art. 37, parágrafo único, LEP); (c) interrompe o prazo para a progressão de regime (art. 112, §6º, LEP); (d) frustra o direito da presa gestante ou responsável por crianças ou pessoa com deficiência fazer jus a condições mais favoráveis de progressão de regime (art. 112, §3º, LEP); (e) obsta a concessão de livramento condicional pelo período de 12 meses (art. 83, III, b, CP); (f) implica em hipótese de regressão de regime (art. 118, I, LEP). Importante, ainda, destacar que o dever de se submeter ao procedimento de identificação de perfil genético só recai sobre preso condenado, não sendo aplicável ao preso provisório.
3. ALTERAÇÃO DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;
IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso;
V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário;
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;
VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros:
I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;
II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.
§ 2º (Revogado
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso:
I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade;
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.
§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário.
§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos.
As principais modificações no Regime Disciplinar Diferenciado são as seguintes: (a) a duração máxima foi ampliada para 2 anos, no que antes tinha como máximo 360 dias; (b) as visitas passam a ser quinzenais e serão gravadas em sistema de áudio e vídeo, podendo ser fiscalizadas por agente penitenciário desde que autorizada a fiscalização por ordem judicial, no que antes as visitas eram semanais e não existia previsão para monitoração; (c) permite-se um máximo de dois visitantes, quando anteriormente eram duas pessoas sem contar as crianças; (d) os visitantes podem somente ser familiares ou terceiros, desde que autorizados judicialmente; (e) as visitas devem ser realizadas em instalações que impeçam o contato físico e a transferência de objetos; (f) o preso que não tiver visitas por seis meses, poderá realizar contato telefônico com seus familiares, previamente agendado, pelo período de 10 minutos com periodicidade de duas vezes por mês; (g) o preso tem o direito de banho de sol acompanhado por outros presos, em grupos de no máximo 4 pessoas, desde que tais pessoas não pertençam à mesma organização criminosa, no que antes o banho de sol era feito individual e isoladamente; (h) todas as entrevistas do preso com outras pessoas serão monitoradas, exceto as realizadas com seus advogados ou quando existir específica ordem judicial obstar a monitoração, anteriormente não existia tal previsão; (i) as entrevistas, em qualquer caso, serão realizadas em local que não permita contato físico e troca de objetos; (j) a fiscalização de toda correspondência passa a ser a regra, anteriormente, a fiscalização da correspondência era permitida em casos extraordinários, conforme entendimento do STF; (k) a participação em audiências será realizada, preferencialmente, por videoconferência, garantindo a presença do defensor no mesmo ambiente do preso, no que anteriormente tal disposição inexistia; (l) cumprimento obrigatório do RDD em estabelecimento penitenciário federal quando existir fundada suspeita de que o preso exerce posição de liderança em organização criminosa, milícia, associação criminosa ou atuação criminosa em dois ou mais estados da Federação, no que anteriormente não existia a previsão dessa obrigatoriedade; (m) elenca hipóteses de prorrogação do RDD, por um período de 1 (um) ano quando o preso continua apresentando alto risco à ordem ou segurança do estabelecimento penitenciário ou da sociedade, bem como no cenário no qual mantém vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada; e (n) obrigatoriedade de evitação de contatos do preso no RDD com membros da organização criminosa da qual faça parte, no que tal disposição não existia anteriormente.
4. REGRAS PARA PROGRESSÃO DE REGIME.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.
§ 7º (VETADO).
O pacote anticrime impõe grande mudança nas regras para progressão de regime, alterando tanto as constantes na Lei de Execução Penal quando na Lei de Crimes Hediondos (L. n. 8.072/90). As principais alterações dizem respeito à quantidade de pena cumprida que é necessária para a progressão de pena. Anteriormente o condenado por crime não hediondo, progrediria para o regime menos gravoso quando completasse o cumprimento de 1/6 (um sexto da pena); o condenado por crime hediondo ou assemelhado que não era reincidente específico nesses delitos precisava cumprir 2/5 (dois quintos) da pena; e sendo reincidente específico em crime hediondo ou assemelhado, deveria cumprir 3/5 (três quintos) da pena. Com as alterações operadas pela Lei Anticrime, fica a situação na forma da seguinte tabela comparativa que indica a situação anterior à Lei Anticrime e a situação agora, depois da Lei Anticrime.

Ademais, seguem as outras alterações mais significativas: (a) deixa expresso que o crime de tráfico de drogas privilegiado (art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006) não será considerado como equiparado ao hediondo para fins de progressão de regime; e (b) a prática de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime, sendo reiniciada a contagem a partir da data do seu cometimento e tomando como base o restante da pena a cumprir.
Antes da Lei Anticrime, nos termos do art. 83, V do Código Penal, o benefício do livramento condicional somente era obstado ao preso condenado reincidente específico em crimes hediondos ou assemelhados. Agora, além de se manter a proibição retro-mencionada, fica expressamente vedada a concessão do livramento condicional: (a) ao preso condenado primário por crime hediondo ou assemelhado com resultado morte (art. 112, VI, ‘a’, LEP) e (b) ao preso condenado reincidente específico em crime hediondo ou assemelhado com resultado morte (art. 112, VIII, LEP). Essa última hipótese, por certo, já estava abarcada na interdição ao livramento condicional contida no Código Penal.
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