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Deputado oferece R$ 10.000,00 para quem "mandar matar" um suposto criminoso. E agora?

  • Foto do escritor: Francisco Ilídio Ferreira Rocha
    Francisco Ilídio Ferreira Rocha
  • 19 de set. de 2019
  • 4 min de leitura

1. O CASO:

No dia 11 de setembro de 2019, O deputado estadual Capitão Assumção (PSL-ES) ofereceu R$ 10.000,00 para aquele que "mandar matar" o suposto autor do brutal assassinato de uma mulher na frente de sua filha de 4 anos. Segundo as palavras do próprio deputado: "[Quero dar] R$ 10.000,00 do meu bolso para quem mandar matar esse vagabundo. Isso não merece estar vivo não. Eu tiro do meu bolso para quem matar esse vagabundo aí". (FONTE). Veja o vídeo abaixo:



2. A PERGUNTA.

Considerando o discurso proferido, seria possível sustentar a responsabilidade penal do deputado estadual?


3. A RESPOSTA.


O discurso público, orientado para pessoas indeterminadas, com o propósito de incentivar a prática de um crime, amolda-se, perfeitamente, aos elemento típicos referentes ao delito de incitação ao crime (art. 286, CP).


Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.


Note-se que tal figura criminosa, somente possível na forma dolosa, pressupõe que o discurso seja realizado com seriedade e com o intento inequívoco de provocar pessoas indeterminadas a realização de uma conduta definida como crime, como é o caso do homicídio. Acaso, a instigação ao crime fosse direcionada para pessoa(s) determinada(s), estaria afastada a tipificação do crime, restando a possibilidade de responsabilidade penal a título de participação, desde que alguns dos instigados efetivamente realiza-se atos executórios do crime conforme a provocação do instigador.


O delito em análise constitui-se em crime formal. Sendo reconhecida a seriedade da incitação e do seu direcionamento a um público indeterminado, o que aparentemente é o caso, o crime está consumado no momento em que a mensagem incitatória é proferida. Não é necessário, portanto, para efeitos de consumação do delito previsto no art. 286 do Código Penal que o crime incitado seja realizado.


Na hipótese do crime incitado não ser realizado, o incitador já encontra-se enquadrado na forma consumada do art. 286 do Código Penal. No cenário do crime incitado ser realizado e demonstrado que o foi por provocação do incitador, dar-se-á a solução do hipotético problema da seguinte forma: (a) o agente incitado, que realizou a conduta criminosa em razão da incitação, responderá como autor do delito incitado; e (b) o incitador que provocou a realização do delito, responderá como autor do crime previsto no art. 286 do Código Penal e como partícipe do crime incitado, em concurso de pessoas com o agente incitado.


Resta perguntar, em relação ao deputado estadual, se o discurso proferido poderia ser entendido como acobertado pela imunidade parlamentar. Note-se que os deputados estaduais, assim como os federais e senadores, tem imunidade material, nos termos do art. 53 da Constituição Federal.


Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.  


No mesmo rumo, segue o art. 51, caput, da Constituição Estadual do Espírito Santo.


Art. 51 O Deputado é inviolável, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.


A posição do STF é de que imunidade parlamentar material é absoluta nas situações em que o discurso é irrogado em Plenário, independente de conexão com o mandato, elidindo a responsabilidade civil por dano moral.


EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA, COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO. A palavra "inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada "conexão como (sic) exercício do mandato ou com a condição parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada. (Inq 1958, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2003, DJ 18-02-2005 PP-00006 EMENT VOL-02180-01 PP-00068 RTJ VOL-00194-01 PP-00056).


Portanto, o entendimento do STF é o seguinte: no caso de discurso irrogado no interior das Casas Parlamentares, por mais odiosas ou reprováveis que sejam as palavras, prevalecerá, absolutamente, a imunidade parlamentar, afastando a responsabilidade penal. Por outro lado, proferida fora do ambiente das Casas Parlamentares, a imunidade material só acobertará aqueles discursos vinculados com o exercício da atividade parlamentar.


Seguindo os entendimentos recentes do STF prevalece o entendimento que o discurso do deputado estadual, mesmo que incitando o crime, não pode ser objeto de persecução penal, pois foi proferido em Plenário da Assembleia Legislativa, cabendo ao Poder Legislativo Estadual coibir este comportamento, que bem pode ser entendido como quebra de decoro parlamentar, sendo possível submeter o deputado estadual a processo disciplinar e eventual perda do mandato.


EM SUMA: Pela análise do caso, com base nas informações oferecidas pela imprensa, é possível contemplar a possibilidade de enquadramento da conduta no delito de incitação ao crime (art. 286, CP), porém, de acordo com o entendimento do STF sobre os limites da imunidade parlamentar, o deputado estadual, no caso seria inviolável por suas palavras, pois estava em Plenário quando as proferiu. Acaso alguém, incitado pelo deputado, efetivamente pratique o homicídio, neste caso poder-se-ia dizer da possibilidade de enquadramento enquanto partícipe neste delito.

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